General Info
O presente trabalho tem como objetivo investigar as relações de afeto e os resquícios do terror engendrado pela ditadura militar brasileira (1964-1985) a partir das correspondências encontradas no arquivo pessoal privado de um militante da luta armada durante o período. As cartas estavam localizadas no interior do arquivo de Sidney de Miguel e foram resgatadas pela autora, também filha do titular do arquivo, quando estava em vias de ser destruído. Ao tomar as cartas como dispositivos de relações e de memórias, produto e produtoras de uma rede de relações transnacionais de afetos e de esquerda, essas noções permitem ler as correspondências e suas trocas afetivas, e observar os percursos do terror e seus impactos na vida dessas pessoas, tais como os deslocamentos e distanciamentos forçados, a regulação da comunicação, da vida e das fronteiras, tendo como traço principal a repressão. Entendendo que experiências-limite como a violência e com o trauma produzem lacunas e a impossibilidade de narrar, as cartas em seus atos de palavra e o trabalho de memória possibilitam visualizar narrativas, e com elas outras vozes possíveis entram em cena. Observa-se de que modo o terror percorreu relações tanto de uma rede de esquerda transnacional, que inclui os “atingidos” pela ditadura, quanto uma rede pessoal de relações também afetada pelos efeitos do regime de exceção, mobilizada por afetos, cuidado, apoio e manutenção da vida. Por fim, o trabalho procura entender o processo de rememoração atribuído a um dever de memória, voltado a valores como justiça social e à ritualização do luto e da experiência traumática de modo coletivo, que permite criação de novas possibilidades de elaboração da experiência.