General Info
Encantaria é uma dimensão invisível que tangencia o mundo material, no fundo dos mares e rios, em dunas e pedras, em matas e manguezais. É a morada dos encantados - seres espirituais, os quais, muitos deles, viveram, mas não tiveram a experiência da morte, se encantaram. A Encantaria Quilombola é aquela vivida e significada pelos quilombolas. A Encantaria Quilombola é uma ontologia relacional, que a engendra como espaço-tempo ontológico amefricano. Esta tese é dedicada a compreensão do universo ontológico da Encantaria Quilombola vivenciado em Santa Rosa dos Pretos, comunidade rural negra maranhense com mais de 200 anos de história. Apesar de no exercício narrativo se promover afirmativas, nossa proposta não é convencionar o que ela é, uma vez que se potencializa na multiplicidade de vivências e interações exercidas em muitas das quase seis mil comunidades negras quilombolas em todo Brasil, e nem, tampouco, estabelecer uma demarcação de fronteiras étnico-religiosas. Mais do que definir, o propósito é a escrevivência na Encantaria Quilombola, possibilitada pelo encontro e convivência com encantados e quilombolas, e potencializada pelo registro fílmico e fotográfico de suas “atuações”, incorporações e performances, no espaço-tempo ontológico dos rituais, da Tenda Nossa Senhora dos Navegantes, do quilombo de Santa Rosa dos Pretos. Desde a primeira entrevista com Mãe Severina e a filmagem da festa do Caboclo Cearenso, em agosto de 2004, ela e seus encantados tornaram-se protagonistas da etnografia fílmica. São eles, seus familiares e os encantados “atuados”, que dançam na tenda e em outros salões de tambor de mina, que performam o misterioso e vivencial universo da Encantaria Quilombola e contam suas histórias. Aprendemos com eles e as Caixeiras do Divino, com suas liturgias e encantorias, corporeidades e oralituras, em seus próprios termos e agências, as performances indiciáticas, as conceitualizações e exegeses, a gramática da relação e a dramática ontológica vivenciada no e sobre esse múltiplo, complexo e surpreendente universo cosmo-ontológico amefricano e sua cosmopolítica. No exercício de escrevivência para a presente tese, resgatamos os registos audiovisuais dos primeiros encontros e reencontros com os quilombolas e encantados, pela preservação da memória e pelo poder do encantamento e das equivocações de quem quase nada sabia. O que provocou nas narrativas exegéticas dos quilombolas e encantados a tradução êmica do universo ontológico e vivencial da Encantaria Quilombola.