Poema sujo, intérprete do Brasil se desenvolve em torno de um argumento potente: o poema de Ferreira Gullar é lido como crítica à identificação idealizada do povo brasileiro ao herói épico. Não seria a única vez que Gullar reveria criticamente os ideais da sua própria geração e do nacional-popular do CPC, mas no “Poema sujo” camadas e mais camadas de significados construídos na história parecem desmoronar diante dos nossos olhos.
Lucas van Hombeeck soube prospectar sentidos sociais na forma poética para nos oferecer uma análise fina do poema como campo aberto que não se limita, e até mesmo coloca limites mútuos, à imposição de qualquer abordagem isolada: a estética, a social ou a subjetividade do autor/poeta.
O livro igualmente é o diário de sua jornada, com perguntas, confrontos e recomposições agudas que são de certa forma também as da sua geração sobre uma geração passada que protagonizou ao mesmo tempo o ápice e a dissolução do compromisso entre estética e política. Não será casual, portanto, que o livro tenha ganhado vida em meio a uma nova crise da democracia que recoloca em xeque aquele compromisso, as relações entre arte e política e a própria identidade brasileira.
Os deslocamentos, aproximações e distanciamentos provocados ganham sentido denso porque o “Poema sujo” e a crítica da ideia de povo que perfaz são trabalhados no livro como uma interpretação do Brasil. Semântica da permanência e da mudança, interpretações do Brasil são códigos simbólicos e reflexivos gerais na/da sociedade brasileira que sobrevivem ao mero registro factual.