Informações Gerais
Mobilizações contra a chamada ideologia de gênero explodiram em várias partes do mundo na segunda década dos anos 2000. No Brasil, a denúncia contra a ideologia de gênero irrompe com mais força no debate público a partir de 2015, embora entre 2010 e 2011 tenha ganhado sua primeira versão nos debates sobre o chamado “kit gay”. Partindo de debates abertos pela literatura sobre campanhas antigênero e inspirada na discussão teórica sobre construção de problemas públicos, nesta tese busco analisar como a denúncia antigênero viajou da periferia para o centro do debate público brasileiro entre 2010 e 2019. Para tanto, focalizo em três perguntas: 1) Por que redes antigênero se fazem e se desfazem ao longo de determinados ciclos temporais, apresentando um intenso processo de movimentação? 2) Como a denúncia antigênero se modula e se flexibiliza para conseguir atingir diferentes públicos, ser vociferada por porta-vozes tão heterogêneos e produzir uma ideia de bem comum? 3) Como os porta-vozes antigênero conseguem sustentar a denúncia e produzir credibilidade mesmo quando seus críticos demonstram empiricamente que as notícias falsas são a matéria-prima de sua ação? A pesquisa da tese baseou-se no acompanhamento das ações e práticas de uma seleção de 53 porta-vozes da denúncia antigênero que ganharam destaque entre 2010 e 2019 e na análise de 447 discursos escritos ou falados. Apoiando-me na análise da formação de redes, da produção de sentidos e da construção de performance, defendo que três elementos ainda pouco explorados pela literatura caracterizaram o processo de ascensão da mobilização antigênero nacional: 1) a formação de redes antigênero não dependeu apenas de um compromisso absoluto dos atores com a ideologia antigênero, mas, também, das dinâmicas e transformações das suas alianças políticas; 2) os atores foram capazes de produzir modulações discursivas que permitiram discutir o tópico da equidade de gênero de forma criativa, bem como extrapolar a questão do gênero e tematizar a democracia e a produção moral estatal, elevando a denúncia ao discurso do “bem comum”, 3) e os porta-vozes responderam criativamente às classificações depreciativas que foram por eles recebidas no debate público, produzindo racionalidade e credibilidade e disputando sua legitimidade para fazerem a denúncia e serem ouvidos.