Informações Gerais
Os corpos Rikbaktsa discutidos em minha tese disseminam atributos relacionados à “humanidade”, sobretudo à capacidade de “agência”. Vivos e mortos, seres metafísicos, vegetais, animais e coisas podem ter – e normalmente têm – “agência”, de formas variadas e em múltiplos contextos, tornando qualquer distinção definitiva entre a sociedade dos vivos, natureza e sobrenatureza impraticável, não pertinente e decididamente pouco produtiva. Por outro lado, esta “partilha” de atributos permite e, de certa forma, compele a interações contínuas entre estes seres e domínios: relações que podem ser predatórias, mas também produtivas e curativas. No contexto do mundo povoado por semelhanças e proximidades – mas não identidades absolutas – o “corpo” dos vivos demonstrou ser um diferencial importante. Do dormir ao acordar, o “corpo” é exposto a riscos, seja através das relações envolvidas nas socialidade aldeã, posturas corporais, atitudes mentais e alimentação, seja nos sonhos ou no que eles prenunciam. Enquanto se têm “corpo”, deve-se buscar obediência, a uma infinidade de recomendações, uma ética individual com o intuito de “manter a vida”. Sobreviver indica êxito da construção corporal Rikbaktsa, apesar deste ser um processo que nunca se completa. Mesmo os ritos que operam mais intensamente esta construção são permeados pelo risco e projetam-se no tempo, encontrando-se abertamente sujeitos ao insucesso. A contínua e quase inevitável interação entre seres metafísicos – incluindo-se mortos – e vivos é, assim, um incremento fundamental da “labilidade” ou “reversibilidade” das categorias de identidade/alteridade, solidariedade/inimizade e até mesmo parentesco entre grupos e pessoas. O resultado é uma extrema diferenciação interna constituída de “negociações” ativas entre semelhanças e distinções. A “sócio-cosmologia” Rikbaktsa permite-nos desconfiar tanto de uma alteridade que seja conceitualmente absoluta e do movimento que a expulsa providencialmente para além do socius, quanto na possibilidade de sua neutralização ou extinção de qualquer domínio considerado. Refiro-me aqui mais precisamente à convivência aldeã e à co-resistência, mas o mesmo vale para ocasiões rituais ou guerreiras e até para as relações Rikbaktsa com outros tipos de seres, dimensões em que jamais assumem a feição de uma totalidade indiferenciada. Se a etnografia Rikbaktsa não tem senão provisoriamente um centro a partir do qual podemos descrevê-la, sua socialidade não é por isso menos “consistente” ou “efetiva”. Este procura explorar esta complexa teoria que concerne à interação, geração, produção e destruição de corpos e pessoas em um mundo povoado por sujeitos que abrangem o que se costuma compartimentalizar em diferentes reinos, espaços e posições.