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Esta tese analisa como a institucionalização da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) chegou em burocracias da Estratégia Saúde da Família (ESF), no município do Rio do Janeiro. A pesquisa se insere em um contexto específico das relações raciais brasileiras, um período de políticas afirmativas para diminuir desigualdades raciais, advindas das novas relações entre os Movimentos Negros e o Estado, após a redemocratização, resultando numa proposta de focalização da saúde na população negra, legalizada pela PNSIPN. Diante da construção institucional-legal da focalização, analisou-se o processo de implementação da PNSIPN em três Unidades Básicas de Saúde (UBS) da ESF, em distintos territórios urbanos racialmente segregados do Rio de Janeiro, com base em documentos do Estado, vinte e dois meses de etnografia nas três Unidades, e cinquenta e sete entrevistas em profundidade com diversos profissionais da saúde pública que trabalhavam nessas burocracias. Com base em perspectivas teóricas da implementação das políticas públicas, das relações raciais e dos repertórios de ação, a análise evidenciou que a governança da saúde da população negra é realizada de distintas formas entre os fragmentos do Estado. A regulação dos serviços em saúde para negros ocorreu por meio de práticas burocráticas visíveis, como as engenharias institucionais-legais da focalização, construídas a partir do ativismo feminista negro junto ao Estado. Paralelamente, por práticas burocráticas menos visíveis, como as práticas mais corriqueiras operantes nessas Unidades, a exemplo do silêncio organizacional em relação às desigualdades raciais em saúde e à PNSIPN, dos repertórios de ação de resistência e de engajamento à saúde pública focalizada, e das mediações inclusivas e excludentes de usuários socialmente vulneráveis, a depender da alocação dos mesmos à categoria não oficial de cadastrados difíceis. A figura social de cadastrados difíceis da ESF esteve presente nas três burocracias pesquisadas, mas, articulado ao repertório de ação de resistência à focalização, que continha o silêncio como uma estratégia antirracista. Evidenciou-se, também, que as situações organizacionais de discriminação do serviço, ou qualidade inferior no uso do mesmo, reincidiram numa interseção das desigualdades, em mulheres, negras, periféricas e consideradas difíceis de serem cuidadas, em função das suas condições sociais, e não biológicas de saúde. Esse conjunto de práticas burocráticas potencializou consequências diretas ao processo de contínua implementação da focalização nas burocracias locais pesquisadas, como: quase ausência de práticas cotidianas focalizadas na ESF, maior rejeição a propostas regulamentares e diárias de uma saúde focalizada, a reprodução de justificativas essencialistas às desigualdades raciais em saúde, a censura e o desuso de expedientes locais da focalização já existentes, a reprodução de estereótipos interseccionais de raça, gênero e classe, e discriminação no cuidado de cadastrados categorizados como difíceis.

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